O que é greenwashing e por que ele ameaça a justiça climática?
Enquanto o discurso da sustentabilidade ganha força no marketing, práticas empresariais continuam reproduzindo desigualdades e acelerando o colapso ambiental. Neste artigo assinado por nosso cofundador Pedro Boreck, discutimos como o greenwashing se tornou parte estrutural do modelo econômico atual — e por que é urgente romper com soluções simbólicas em favor de compromissos reais, rastreáveis e regenerativos.
🕒 Tempo médio de leitura: 7 minutos | 📘 Autor: Pedro Boreck, cofundador da NaqīKarbon
Greenwashing: Crítica Sociológica e Ambiental à Sustentabilidade de Fachada
Resumo
Este artigo discute o conceito de greenwashing a partir de uma abordagem crítica e interdisciplinar, considerando seus impactos nas políticas ambientais, na ética empresarial e na percepção pública sobre sustentabilidade. A prática consiste na apropriação do discurso ambiental por empresas e instituições que, na prática, mantêm estruturas altamente poluentes ou insustentáveis. Utilizando referências da sociologia ambiental, da comunicação organizacional e da economia política do meio ambiente, argumenta-se que o greenwashing não é um desvio, mas parte estrutural da lógica de produção atual. O objetivo é contribuir para o desmascaramento dessas práticas e fomentar o desenvolvimento de critérios mais transparentes e rigorosos para avaliação de compromissos ambientais.
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1. Introdução
Greenwashing é um neologismo criado a partir da junção de "green" (verde) e "whitewashing" (encobrir algo). O termo foi popularizado na década de
1980 pelo ambientalista Jay Westerveld, ao criticar a política ambiental
supostamente ecológica de redes hoteleiras que incentivavam hóspedes a
reutilizar toalhas para "salvar o planeta", enquanto continuavam práticas
altamente insustentáveis em outros níveis operacionais. Desde então, o termo
passou a designar qualquer tentativa de empresas e governos de aparentar
compromisso ambiental sem mudanças efetivas (Francesca Macesar, 2025). Naomi
Klein (2014), em sua análise, argumenta que essa prática é sintomática de um
sistema econômico que prioriza o lucro e a expansão acima da sustentabilidade
real. Para ela, o chamado capitalismo verde não confronta as
causas estruturais da crise climática, mas oferece soluções paliativas e
simbólicas.
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Fonte: Pxhere |
2. Caracterização do Greenwashing
O greenwashing se identifica por diferentes fatores, incluindo a ausência
de provas e rastreabilidade, imprecisão teórica, irrelevância prática e o culto
ao falso rótulo. Empresas que utilizam esse expediente geralmente promovem
ações simbólicas que escondem danos reais, como plantar árvores para compensar
grandes emissões ou usar embalagens 'eco' sem mudar sistema produtivo (Terra Choice, 2007). Para
Laufer (2003), trata-se de uma estratégia de “marketing verde”, sem ética,
utilizada para melhorar reputações corporativas perante consumidores cada vez
mais conscientes, mas nem sempre atentos.
3. Greenwashing e Mercado de Carbono
O mercado de carbono, embora promissor, pode ser cooptado por práticas
de greenwashing. Empresas compram créditos de carbono para compensar emissões,
sem alterar suas matrizes produtivas, energéticas e de resíduos. Como apontam
Böhm et al. (2012), isso transforma um mecanismo de mitigação em instrumento de
especulação financeira. A ausência de critérios sociais, comunitários e
territoriais robustos favorece a perpetuação do extrativismo sob uma máscara
verde. Klein (2014) reforça que tais soluções de mercado mascaram a permanência
das lógicas extrativistas, ao transformar bens comuns e a atmosfera em ativos
financeiros. Consolidando uma espécie de comércio ambiental que aprofunda
desigualdades e perpetua danos ecológicos e sociais, sob um verniz sustentável.
4. Consequências Sociais e Ambientais
Além de enganar consumidores e investidores, o greenwashing
descredibiliza movimentos ambientalistas autênticos. Quando amplamente adotado,
normaliza-se o discurso da sustentabilidade simbólica, impedindo transformações
estruturais. Isso afeta principalmente comunidades tradicionais, que são alvos de
projetos supostamente sustentáveis sem consulta prévia, como apontado por
Acselrad (2010) no contexto do racismo ambiental.
5. Propostas para Eliminação do Greenwashing
A criação de selos independentes com auditoria participativa, a
responsabilização legal de campanhas enganosas, a ampliação de mecanismos
de compliance ambiental, respeito e reconhecimento de saberes
tradicionais, são caminhos viáveis para conter essa prática. Mais do que
certificações, é preciso mudar a lógica de produção e consumo, como defendido
por Schnaiberg (1980), em sua teoria do 'treadmill of production'. Segundo ele,
o sistema econômico funciona como uma esteira rolante que exige crescimento
contínuo, dependendo de três mecanismos centrais: expansão da produção, aumento
do consumo e intensificação da extração de recursos naturais. Esse processo gera
uma contradição fundamental: enquanto a economia busca se expandir
infinitamente, os ecossistemas têm limites físicos. Esse sistema, em vez de
resolver crises ambientais, muitas vezes acelera a exploração (como
na mineração em larga escala). Os custos ambientais são externalizados,
afetando desproporcionalmente comunidades pobres e periféricas.
6. Conclusão
O greenwashing representa um entrave real à transição ecológica justa.
Identificá-lo e combatê-lo exige não apenas mudanças técnicas, mas sobretudo
políticas e sociais. Uma sociedade verdadeiramente sustentável precisa superar
a superficialidade 'verde' e valorizar práticas que transformem a base da
economia e do modelo de desenvolvimento. Como alertamos, enfrentar esse desafio
exige ir além das soluções pragmáticas. É necessária uma ruptura com o modelo
de crescimento infinito e a construção de um sistema econômico que respeite os
limites planetários e os direitos das comunidades afetadas.
Referências
- ACSELRAD, Henri. “Ambientalização das lutas sociais - o caso do
movimento por justiça ambiental”. Estudos Avançados, vol. 24, no 68,
2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100010. Acesso em: 14
jun. 2025.
- BÖHM, Steffen; MISOCZKY, Maria Cecília. Greening capitalism? A Marxist critique of carbon markets. Organization Studies, 2012. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0170840612463326. Acesso em: 11 jun. 2025.
- FRANCESCA
MACESAR, Anna. The History of Greenwashing. The Sustainable
Agency, [s.d.], 2025. Disponível
em: https://thesustainableagency.com/blog/the-history-of-greenwashing/. Acesso em: 17
jun. 2025.
- KLEIN, Naomi. This Changes Everything: Capitalism vs. The Climate. New York: Simon & Schuster, 2014.
- LAUFER, William S. Social Accountability and Corporate Greenwashing. Journal of Business Ethics, v. 43, n. 3, p. 253-261, 2003. Disponivel em: https://doi.org/10.1023/A:1022962719299 Acesso em: 16 jun. 2025.
- SCHNAIBERG, Allan. The Environment: From Surplus to Scarcity. Oxford University Press, 1980.
- TERRA CHOICE. The Six Sins of Greenwashing: A Study of Environmental Claims in North American Consumer Markets. 2007. Disponivel em: https://sustainability.usask.ca/documents/Six_Sins_of_Greenwashing_nov2007.pdf Acesso em: 16 jun. 2025.
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