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Racismo Ambiental no Brasil: Quem mais sofre com a crise climática?
Em um cenário onde a crise climática escancara desigualdades sociais, é fundamental discutir quem mais sofre com seus impactos. Neste artigo assinado por nosso cofundador Pedro Boreck, abordamos como o racismo ambiental estrutura os riscos no Brasil e por que a justiça climática exige mais do que metas de carbono — ela demanda reparação, protagonismo e transformação territorial.
🕒 Tempo médio de leitura: 10 minutos | 📘 Autor: Pedro Boreck, cofundador da NaqīKarbon
Racismo Ambiental e Injustiça Climática: Crítica Sociológica a uma Lógica de Exclusão Sistêmica
Palavras-chave: racismo ambiental, justiça climática, comunidades tradicionais.
INTRODUÇÃO
O racismo ambiental é uma expressão da desigualdade estrutural que
organiza a distribuição dos riscos, dos recursos naturais e das políticas
ambientais. Conceituado por Robert Bullard (2001), o termo evidencia como
populações negras, indígenas, periféricas e camponesas são desproporcionalmente
afetadas por desastres ambientais, instalações tóxicas e pela falta de acesso a
saneamento, água potável e infraestrutura básica. No Brasil, Henri Acselrad
(2004) foi pioneiro ao consolidar o campo da justiça ambiental, articulando as
relações entre exclusão social e degradação ambiental em territórios
vulnerabilizados.
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Crianças coletando lixo - fonte: freepik-jcomp |
A distribuição desigual dos passivos ambientais está ligada à lógica
produtiva atual, da ocupação do território e da construção do Estado. Como
mostra David Harvey (2005), o "acúmulo por espoliação" não se limita
ao campo econômico, mas à produção espacial de desigualdades, onde populações
racializadas são sistematicamente empurradas para zonas de sacrifício. Achille
Mbembe (2016), por sua vez, introduz a ideia de necropolítica para explicar
como certos grupos são deixados indefesos, inclusive no plano
ambiental, por meio da omissão do Estado e da indiferença institucionalizada.
1. A GEOGRAFIA RACIAL DO RISCO
AMBIENTAL - O CASO BRASILEIRO: MINERAÇÃO, BARRAGENS E POPULAÇÕES RACIALIZADAS
No Brasil, episódios como os rompimentos das barragens de Mariana (2015)
e Brumadinho (2019) exemplificam como a lógica do lucro ambientalmente
irresponsável recai sobre territórios habitados por populações negras,
ribeirinhas e quilombolas. O estudo de Araújo, Godoi e Ribeiro (2024) oferece
uma análise abrangente sobre como esses casos evidenciam padrões estruturais de
racismo ambiental no Brasil. A pesquisa revela como essas populações são
sistematicamente posicionadas em áreas de vulnerabilidade socioambiental,
configurando um quadro de injustiça ambiental racializada. A pesquisa demonstra
padrões incontestáveis de racialização dos danos ambientais.
Em Brumadinho, 68% da população afetada autodeclarou-se preta ou parda,
enquanto em Mariana esse percentual atingiu impressionantes 84%. Esses números
ganham maior relevância quando consideramos que 76% dos afetados por conflitos
minerários em todo o país pertencem a grupos racializados (Araújo et al., 2024).
Os dados revelam uma distribuição espacial desigual dos riscos ambientais, onde
comunidades negras e tradicionais são sistematicamente expostas a perigos
ambientais, configurando o que se denomina de "geografia racial do
risco".
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Localidade de Bento Rodrigues devastada após rompimento de barragem.Rogério Alves (Fotos Públicas) |
1.2. Impactos Psicossociais e
a Dimensão Interseccional
Araújo et al. (2024) avança significativamente ao documentar os impactos
psicossociais diferenciados do racismo ambiental. Os dados revelam índices
alarmantes de transtornos mentais entre os atingidos nesses casos: 29,3%
apresentavam sintomas depressivos, 22,9% sofriam de transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT), e 12,6% relataram pensamentos suicidas. Esses agravos se
distribuem de forma interseccional, atingindo com maior intensidade mulheres
negras com baixa escolaridade. Esta dimensão do estudo representa uma
importante contribuição ao campo, articulando conceitos de saúde coletiva com a
teoria do racismo ambiental.
2. PANORAMA ESTATÍSTICO DO
RACISMO AMBIENTAL NO BRASIL
Estudos de Saúde Ambiental dão conta de que a maioria dos
empreendimentos com alto potencial poluidor no Brasil se concentram em locais
periféricos, com maioria negra ou parda. O artigo da Deutsche Welle (2022)
revela dados alarmantes sobre a vulnerabilidade socioambiental no Brasil:
aproximadamente 1 milhão de pessoas residem em áreas de risco próximas a
barragens classificadas como perigosas. Destaca-se que, dentre as 45 barragens
consideradas de alto risco pela Agência Nacional de Mineração (ANM), 30
apresentam alto potencial de dano ambiental associado, configurando um cenário
de permanente ameaça às comunidades vizinhas. Analisando o cenário geográfico,
percebe-se que a maioria das barragens de rejeitos estão próximas a comunidades
tradicionais, como quilombolas e indígenas, confirmando o caráter estrutural da
injustiça ambiental e revelando a intersecção entre raça, território e acesso a
direitos básicos. A ausência de políticas públicas integradas de reparação e de
investimento contínuo nesses territórios evidencia uma necropolítica ambiental
sustentada por negligência institucional.
Além disso, o Instituto Trata Brasil (2023) aponta que a distribuição da
população com privação de coleta de esgoto, por exemplo, apresenta: entre os
que se autodeclaram brancos 24,2%; pretos 31%; pardos 40,9%; e indígenas 44,6%. Analisando o estudo, percebo que os números gerais da população preta e parda,
nesse sentido, ainda é mais significativo do que se aparentam esses dados, já que
em número geral esse grupo representa a porcentagem de 67% da população total.
3. CONCLUSÃO
O racismo ambiental revela que a crise climática é também uma crise de
justiça social. Enfrentá-lo exige romper com a lógica do negacionismo
territorial, reconhecer os saberes locais e adotar um modelo de transição
ecológica ancorado em direitos humanos e reparação. A crítica ao modo produtivo
vigente e a exposição das desigualdades, estatisticamente demonstradas,
reforçam a urgência de mecanismos de equidade social, transparência de dados e políticas
públicas que estejam comprometidas não apenas em metas climáticas, mas na dignidade
dos povos historicamente vulnerabilizados.
Com base nas constatações do presente artigo, sugerem-se medidas
concretas para o enfrentamento do racismo ambiental, incluindo: a necessidade
de um Observatório Nacional de Racismo Ambiental; a inclusão obrigatória do
quesito raça/cor em registros de danos ambientais; o desenvolvimento de
protocolos de saúde mental culturalmente adequados com atendimento psicossocial
de populações racializadas afetadas; e o reconhecimento jurídico do racismo
ambiental.
A análise evidencia como o racismo ambiental se manifesta como um problema
estrutural e produtivo no Brasil, com consequências devastadoras para
populações racializadas. O estudo não apenas documenta padrões de injustiça
ambiental, mas também aponta caminhos para sua superação. As recomendações
propostas representam passos fundamentais para combater a injustiça ambiental contra populações racializadas,
destacando a urgência de políticas públicas que reconheçam e enfrentem esta
realidade complexa. A pesquisa serve como um importante alerta e chamado à ação
para acadêmicos, formuladores de políticas e sociedade civil.
Considerações finais: Para uma
Justiça Climática com Reparação Histórica
A justiça climática não pode ser pensada apenas como distribuição de
recursos verdes. Ela deve incluir medidas de reparação histórica,
reconhecimento de direitos territoriais e protagonismo comunitário na gestão
ambiental. Uma agenda de justiça ambiental precisa integrar três dimensões:
distribuição equitativa, reconhecimento cultural e participação política.
Referências
· ACSELRAD, Henri.
“Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça
ambiental”. Estudos Avançados, vol. 24, no 68, 2010.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100010. Acesso em: 14 jun. 2025.
·
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v. 49, n. 3-4, p. 151-171, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.2307/3132626 Acesso em: 15 jun. 2025.
· DEUTSCHE WELLE. Brasil
tem 1 milhão vivendo perto de barragens de risco. 2022. Disponível
em: https://www.dw.com/pt-br/brasil-tem-1-milh%C3%A3o-vivendo-perto-de-barragens-de-risco/a-61611264. Acesso em: 16 jun. 2025.
·
HARVEY,
David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005.
· MBEMBE, Achille. Necropolítica. Rio de Janeiro: revista do ppgav/eba/ufrj (n. 32),
2016.
· SCHLOSBERG, David. Defining
Environmental Justice: Theories, Movements, and Nature. Oxford: Oxford University Press, 2007.
· INSTITUTO TRATA
BRASIL. A vida sem saneamento para quem falta e onde mora essa
população?. 2023 Disponível em: https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2023/11/VERSAO-FINAL-PRIVACAO-DO-SANEAMENTO.pdf Acesso em: 16 jun. 2025.
·
ARAÚJO, I. L. F.;
GODOI, A. C. R. S.; RIBEIRO, L. P. Racismo ambiental, mineração e saúde
mental da população negra. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 6,
e00045324, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT045324 Acesso em: 16
jun. 2025.
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