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Destaques

Prefeitura de São Paulo aprova ampliação do aterro de São Mateus: projeto prevê a derrubada de quase 63 mil árvores

Quando o verde dá lugar ao cinza: a ameaça às quase 63 mil árvores de São Mateus  —  e o peso do racismo ambiental. A decisão traz à tona os desafios da cidade em passar a seguir modelos de gestão mais sustentáveis, como o oferecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que inclui reciclagem e tratamento descentralizado. Imagem: Change.org A Zona Leste de São Paulo, uma das regiões mais populosas e carentes de áreas verdes da cidade, está no centro de um debate urgente que transcende a questão ambiental e alcança dimensões de injustiça social. Conforme detalhado no Projeto de Lei Executivo 799/2024 da Prefeitura de São Paulo e em reportagem do Metrópoles, o projeto de ampliação do aterro sanitário de São Mateus pode levar à supressão de  quase 63 mil árvores nativas e em recuperação  em uma área equivalente a dezenas de campos de futebol. Este caso exemplifica um padrão histórico de  racismo ambiental , conforme discutido em análise da NaqīKarbon. Como des...

Racismo Ambiental no Brasil: Quem mais sofre com a crise climática?

Em um cenário onde a crise climática escancara desigualdades sociais, é fundamental discutir quem mais sofre com seus impactos. Neste artigo assinado por nosso cofundador Pedro Boreck, abordamos como o racismo ambiental estrutura os riscos no Brasil e por que a justiça climática exige mais do que metas de carbono — ela demanda reparação, protagonismo e transformação territorial.

🕒 Tempo médio de leitura: 10 minutos | 📘 Autor: Pedro Boreck, cofundador da NaqīKarbon


Racismo Ambiental e Injustiça Climática: Crítica Sociológica a uma Lógica de Exclusão Sistêmica

Resumo
Este artigo analisa o conceito de racismo ambiental a partir de uma abordagem sociológica e interseccional, destacando como a distribuição desigual dos impactos socioambientais reflete e reforça estruturas históricas de domínio racial, econômico e territorial. Por meio da revisão de literatura e dados de casos concretos no Brasil  e em contextos globais  investiga-se a forma como populações racializadas e comunidades tradicionais têm sido sistematicamente expostas a riscos ambientais. Com base em referenciais teóricos como Henri Acselrad, Robert Bullard, David Harvey, Achille Mbembe e outros, proponho uma agenda de justiça climática que inclua reparação histórica, protagonismo 
comunitário e reconhecimento de saberes tradicionais.

Palavras-chave: racismo ambiental, justiça climática, comunidades tradicionais.

INTRODUÇÃO

O racismo ambiental é uma expressão da desigualdade estrutural que organiza a distribuição dos riscos, dos recursos naturais e das políticas ambientais. Conceituado por Robert Bullard (2001), o termo evidencia como populações negras, indígenas, periféricas e camponesas são desproporcionalmente afetadas por desastres ambientais, instalações tóxicas e pela falta de acesso a saneamento, água potável e infraestrutura básica. No Brasil, Henri Acselrad (2004) foi pioneiro ao consolidar o campo da justiça ambiental, articulando as relações entre exclusão social e degradação ambiental em territórios vulnerabilizados.

Crianças coletando lixo - fonte: freepik-jcomp

A distribuição desigual dos passivos ambientais está ligada à lógica produtiva atual, da ocupação do território e da construção do Estado. Como mostra David Harvey (2005), o "acúmulo por espoliação" não se limita ao campo econômico, mas à produção espacial de desigualdades, onde populações racializadas são sistematicamente empurradas para zonas de sacrifício. Achille Mbembe (2016), por sua vez, introduz a ideia de necropolítica para explicar como certos grupos são deixados indefesos, inclusive no plano ambiental, por meio da omissão do Estado e da indiferença institucionalizada.

1. A GEOGRAFIA RACIAL DO RISCO AMBIENTAL - O CASO BRASILEIRO: MINERAÇÃO, BARRAGENS E POPULAÇÕES RACIALIZADAS

No Brasil, episódios como os rompimentos das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) exemplificam como a lógica do lucro ambientalmente irresponsável recai sobre territórios habitados por populações negras, ribeirinhas e quilombolas. O estudo de Araújo, Godoi e Ribeiro (2024) oferece uma análise abrangente sobre como esses casos evidenciam padrões estruturais de racismo ambiental no Brasil. A pesquisa revela como essas populações são sistematicamente posicionadas em áreas de vulnerabilidade socioambiental, configurando um quadro de injustiça ambiental racializada. A pesquisa demonstra padrões incontestáveis de racialização dos danos ambientais.

Em Brumadinho, 68% da população afetada autodeclarou-se preta ou parda, enquanto em Mariana esse percentual atingiu impressionantes 84%. Esses números ganham maior relevância quando consideramos que 76% dos afetados por conflitos minerários em todo o país pertencem a grupos racializados (Araújo et al., 2024). Os dados revelam uma distribuição espacial desigual dos riscos ambientais, onde comunidades negras e tradicionais são sistematicamente expostas a perigos ambientais, configurando o que se denomina de "geografia racial do risco".


Localidade de Bento Rodrigues devastada após rompimento de barragem.Rogério Alves (Fotos Públicas)

1.2. Impactos Psicossociais e a Dimensão Interseccional

Araújo et al. (2024) avança significativamente ao documentar os impactos psicossociais diferenciados do racismo ambiental. Os dados revelam índices alarmantes de transtornos mentais entre os atingidos nesses casos: 29,3% apresentavam sintomas depressivos, 22,9% sofriam de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), e 12,6% relataram pensamentos suicidas. Esses agravos se distribuem de forma interseccional, atingindo com maior intensidade mulheres negras com baixa escolaridade. Esta dimensão do estudo representa uma importante contribuição ao campo, articulando conceitos de saúde coletiva com a teoria do racismo ambiental.

2. PANORAMA ESTATÍSTICO DO RACISMO AMBIENTAL NO BRASIL

Estudos de Saúde Ambiental dão conta de que a maioria dos empreendimentos com alto potencial poluidor no Brasil se concentram em locais periféricos, com maioria negra ou parda. O artigo da Deutsche Welle (2022) revela dados alarmantes sobre a vulnerabilidade socioambiental no Brasil: aproximadamente 1 milhão de pessoas residem em áreas de risco próximas a barragens classificadas como perigosas. Destaca-se que, dentre as 45 barragens consideradas de alto risco pela Agência Nacional de Mineração (ANM), 30 apresentam alto potencial de dano ambiental associado, configurando um cenário de permanente ameaça às comunidades vizinhas. Analisando o cenário geográfico, percebe-se que a maioria das barragens de rejeitos estão próximas a comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas, confirmando o caráter estrutural da injustiça ambiental e revelando a intersecção entre raça, território e acesso a direitos básicos. A ausência de políticas públicas integradas de reparação e de investimento contínuo nesses territórios evidencia uma necropolítica ambiental sustentada por negligência institucional.

Além disso, o Instituto Trata Brasil (2023) aponta que a distribuição da população com privação de coleta de esgoto, por exemplo, apresenta: entre os que se autodeclaram brancos 24,2%; pretos 31%; pardos 40,9%; e indígenas 44,6%. Analisando o estudo, percebo que os números gerais da população preta e parda, nesse sentido, ainda é mais significativo do que se aparentam esses dados, já que em número geral esse grupo representa a porcentagem de 67% da população total.

3. CONCLUSÃO

O racismo ambiental revela que a crise climática é também uma crise de justiça social. Enfrentá-lo exige romper com a lógica do negacionismo territorial, reconhecer os saberes locais e adotar um modelo de transição ecológica ancorado em direitos humanos e reparação. A crítica ao modo produtivo vigente e a exposição das desigualdades, estatisticamente demonstradas, reforçam a urgência de mecanismos de equidade social, transparência de dados e políticas públicas que estejam comprometidas não apenas em metas climáticas, mas na dignidade dos povos historicamente vulnerabilizados.

Com base nas constatações do presente artigo, sugerem-se medidas concretas para o enfrentamento do racismo ambiental, incluindo: a necessidade de um Observatório Nacional de Racismo Ambiental; a inclusão obrigatória do quesito raça/cor em registros de danos ambientais; o desenvolvimento de protocolos de saúde mental culturalmente adequados com atendimento psicossocial de populações racializadas afetadas; e o reconhecimento jurídico do racismo ambiental.

A análise evidencia como o racismo ambiental se manifesta como um problema estrutural e produtivo no Brasil, com consequências devastadoras para populações racializadas. O estudo não apenas documenta padrões de injustiça ambiental, mas também aponta caminhos para sua superação. As recomendações propostas representam passos fundamentais para combater a injustiça ambiental contra populações racializadas, destacando a urgência de políticas públicas que reconheçam e enfrentem esta realidade complexa. A pesquisa serve como um importante alerta e chamado à ação para acadêmicos, formuladores de políticas e sociedade civil.

Considerações finais: Para uma Justiça Climática com Reparação Histórica

A justiça climática não pode ser pensada apenas como distribuição de recursos verdes. Ela deve incluir medidas de reparação histórica, reconhecimento de direitos territoriais e protagonismo comunitário na gestão ambiental. Uma agenda de justiça ambiental precisa integrar três dimensões: distribuição equitativa, reconhecimento cultural e participação política.


Referências

·   ACSELRAD, Henri. “Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça ambiental”. Estudos Avançados, vol. 24, no 68, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100010. Acesso em: 14 jun. 2025.

·       BULLARD, Robert D. Environmental justice in the 21st century: race still matters. Phylon, v. 49, n. 3-4, p. 151-171, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.2307/3132626  Acesso em: 15 jun. 2025.

·   DEUTSCHE WELLE. Brasil tem 1 milhão vivendo perto de barragens de risco. 2022. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/brasil-tem-1-milh%C3%A3o-vivendo-perto-de-barragens-de-risco/a-61611264. Acesso em: 16 jun. 2025.

·       HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005.

·       MBEMBE, Achille. Necropolítica. Rio de Janeiro: revista do ppgav/eba/ufrj (n. 32), 2016.

·   SCHLOSBERG, David. Defining Environmental Justice: Theories, Movements, and Nature. Oxford: Oxford University Press, 2007.

·   INSTITUTO TRATA BRASIL. A vida sem saneamento para quem falta e onde mora essa população?. 2023 Disponível em: https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2023/11/VERSAO-FINAL-PRIVACAO-DO-SANEAMENTO.pdf  Acesso em: 16 jun. 2025.

·       ARAÚJO, I. L. F.; GODOI, A. C. R. S.; RIBEIRO, L. P. Racismo ambiental, mineração e saúde mental da população negra. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 6, e00045324, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT045324 Acesso em: 16 jun. 2025.




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