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Sociologia e Antropologia do Meio Ambiente: diálogos interdisciplinares para enfrentar a crise climática
Enquanto os debates sobre o clima ganham visibilidade global, políticas públicas e projetos ambientais ainda ignoram as raízes sociais, culturais e territoriais da crise ecológica. Neste artigo, Pedro Boreck e Victoria Alves, fundadores da NaqīKarbon, discutem por que é urgente superar as soluções tecnocráticas e reconectar ciência, política e justiça climática através de abordagens interdisciplinares e epistêmicas plurais.
🕒 Tempo médio de leitura: 10 minutos | 📘 Autores: Pedro Boreck e Victoria Alves, fundadores da NaqīKarbon
Resumo
A crise ambiental contemporânea evidencia a necessidade de abordagens interdisciplinares que integrem as ciências naturais, sociais e biológicas. Este artigo explora as principais contribuições da Sociologia e da Antropologia do Meio Ambiente para a compreensão dos conflitos socioambientais, com ênfase no diálogo com os saberes ecológicos e os conhecimentos tradicionais. Ao examinar conceitos como justiça ambiental, ecologia política e pluralismo ecológico, argumenta-se que os problemas ambientais não podem ser tratados apenas como questões técnicas, mas como disputas territoriais, epistêmicas e culturais, exigindo novas formas de cooperação entre ciência, política e sociedade.
Introdução
A crise ecológica global — marcada pelo aquecimento
global, degradação de biomas, desigualdade ambiental e crise climática — não
pode ser compreendida nem solucionada apenas com os instrumentos das ciências
naturais. Embora disciplinas como a biologia, a geofísica e a climatologia
sejam indispensáveis para medir impactos e projetar cenários, os conflitos em
torno do meio ambiente têm raízes profundamente sociais, históricas e
políticas. É nesse contexto que a Sociologia e a Antropologia do Meio Ambiente
ganham centralidade como campos analíticos e práticos voltados à justiça
socioambiental.
Esse debate também se conecta com a discussão sobre greenwashing, tema que abordamos em “O que é greenwashing e por que ele ameaça a justiça climática?”.
A contribuição das Ciências Sociais
Os conflitos ambientais não ocorrem apenas em florestas distantes ou áreas rurais. As cidades concentram grande parte das emissões de carbono e das desigualdades ambientais, tornando-se epicentros da crise ecológica contemporânea. A urbanização acelerada, combinada com políticas públicas excludentes e infraestrutura precária, acirra disputas territoriais e evidencia o racismo ambiental, especialmente nas periferias urbanas.
Nesse contexto, a Sociologia Ambiental, tal como desenvolvida por autores como Henri Acselrad (2010) e Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006), propõe uma leitura crítica das relações entre sociedade e natureza. O conceito de justiça ambiental, central nessa abordagem, permite analisar como a degradação ambiental afeta de forma desigual diferentes grupos sociais — especialmente populações periféricas, indígenas, negras e camponesas. A lógica da produção capitalista, centrada na mercantilização da natureza, converte bens comuns em mercadorias e transforma territórios inteiros em zonas de sacrifício, como já exploramos em “Racismo Ambiental no Brasil: Quem mais sofre com a crise climática?”. A Antropologia, por sua vez, tem contribuído para deslocar a noção de “meio ambiente” como algo externo ao ser humano. Pesquisadores como Paul Little (2006) propõem uma ecologia política que reconhece a diversidade de cosmovisões sobre o mundo natural. Povos indígenas e comunidades tradicionais não compartilham a visão ocidental de separação técnica entre cultura e natureza.
Diálogo com as Ciências Naturais e Biológicas
Embora historicamente separadas pelas divisões entre "ciências duras" e "ciências humanas", há um crescente reconhecimento da
necessidade de interdisciplinaridade na abordagem da crise ambiental. A
ecologia, por exemplo, tem se beneficiado de colaborações com a antropologia
para compreender o papel das práticas locais no manejo da biodiversidade. A
etnobotânica, a etnoecologia e a ecologia política são campos híbridos que
ilustram esse cruzamento.
Elinor Ostrom (2009), ao estudar a governança de recursos comuns, demonstrou
que comunidades locais, ao contrário do que pregava a “tragédia dos comuns”,
podem gerir recursos naturais de forma sustentável, complementares às críticas que fizemos em “Mercado de Carbono: da Necessidade de Compensação à Transformação Estrutural”. Seu trabalho articula
economia, sociologia e ecologia.
A importância de uma interdisciplinaridade real — e não apenas formal — também foi explorada no artigo “Interdisciplinaridade na ciência: lições do filme Prometheus”, onde refletimos como a falta de escuta entre áreas pode comprometer até mesmo os projetos mais ambiciosos. Integrar ciências naturais e sociais exige mais do que reunir especialistas: exige humildade epistêmica, diálogo e objetivos comuns.
Do ponto de vista das ciências naturais, a compreensão
dos processos metabólicos e das interações bioquímicas em ecossistemas é
essencial para fundamentar práticas socioambientais eficazes. Por exemplo,
estudos clássicos sobre fotossíntese em plantas C₄ demonstram como a
organização anatômica das células do mesofilo e da bainha vascular otimiza a
fixação de CO₂, reduzindo as perdas por fotorespiração (Sage et al., 2004, 2011, 2012).
Esse mecanismo, detalhado em obras de referência como Plant Physiology
(Taiz & Zeiger, 2017), inspira manejos agrícolas que buscam maximizar a
produtividade e o sequestro de carbono em sistemas de cultivo adaptados a
climas quentes e secos — integrando soluções baseadas na natureza.
No entanto, para que tais avanços científicos se traduzam em benefícios ambientais reais e duradouros, é imprescindível que sejam integrados às dimensões sociais e culturais presentes nos territórios onde se aplicam. É nesse ponto que a antropologia e a sociologia do meio ambiente oferecem contribuições decisivas. Enquanto as ciências naturais revelam os “como” bioquímicos e fisiológicos dos ecossistemas, as ciências sociais explicam o “quem”, “onde” e “por quê” das relações humanas com a natureza.
A sociologia ambiental, por exemplo, demonstra que os conflitos em torno do uso da terra e dos recursos naturais são inseparáveis das desigualdades sociais, históricas e políticas. A lógica do mercado e as políticas ambientais tecnocráticas, muitas vezes desconectadas das realidades locais, tendem a marginalizar saberes tradicionais e comunidades periféricas, indígenas e camponesas — que são justamente as que mantêm uma relação mais próxima e cuidadosa com o ambiente. Já a antropologia do meio ambiente amplia a visão ao destacar que diferentes grupos culturais têm cosmovisões distintas sobre a natureza, desafiando a separação entre cultura e ambiente proposta pelo paradigma ocidental.
Assim, o avanço na compreensão científica dos processos como a fotossíntese em plantas C₄ deve caminhar lado a lado com o reconhecimento dos saberes ecológicos locais, dos modos de manejo tradicionais e das dinâmicas socioeconômicas que moldam o uso do território. Somente essa interdisciplinaridade real — que alia rigor científico, escuta cultural e justiça social — pode promover práticas de manejo agrícola e ambiental que sejam não apenas tecnicamente eficientes, mas socialmente justas e culturalmente legítimas.
Dessa forma, os estudos bioquímicos e ecológicos inspiram estratégias de mitigação climática que respeitam as comunidades, valorizam suas histórias e potencializam seus conhecimentos, fomentando uma regeneração socioambiental que é tanto científica quanto política, e sobretudo humana.
Essas experiências demonstram que a regeneração socioambiental requer mais do que conhecimento técnico: exige escuta ativa, reconhecimento de saberes e arranjos institucionais que valorizem as práticas já existentes nos territórios. É nesse contexto que a noção de epistemologias plurais se torna central.
Epistemologias plurais e conflitos ambientais
Outro ponto essencial trazido pelas ciências sociais é
o reconhecimento da pluralidade epistêmica. O enfrentamento da crise ecológica
exige o reconhecimento de que há múltiplas formas válidas de conhecer e se
relacionar com o ambiente. A imposição de soluções tecnocráticas e
descontextualizadas — como grande parte dos projetos de compensação de carbono,
por exemplo — muitas vezes desrespeitam os modos de vida e os direitos
territoriais de populações tradicionais.
Autores como Bruno Latour (2018) e Naomi Klein (2014) denunciam o esvaziamento
democrático das decisões ambientais e propõem uma ecologia mais participativa,
onde a ciência se coloque em diálogo com a política e com os sujeitos afetados.
Um exemplo notável dessa articulação entre saberes locais e políticas ambientais é o programa BurrenLIFE, desenvolvido na região do Burren, na Irlanda. Trata-se de uma iniciativa que rompeu com a lógica de conservação baseada em proibições e exclusões para adotar uma abordagem colaborativa com os agricultores locais, cujos modos de manejo tradicionais vinham sendo marginalizados pelas políticas ambientais da União Europeia. Ao invés de impor pacotes técnicos uniformes, o BurrenLIFE partiu do princípio de que os próprios agricultores detinham conhecimentos profundos sobre a ecologia da região — um ecossistema calcário único, com rica biodiversidade adaptada ao pastoreio extensivo e sazonal.
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Um dos fundadores do Programa Burren, Brendan Dunford, ao lado de Michael Davoren, da IFA do Burren, em 2012. Foto: Eamon Ward. |
Através de um sistema de pagamentos por serviços ambientais, os produtores passaram a ser recompensados não apenas por “seguir normas”, mas por gerar resultados ecológicos positivos mensuráveis, como a presença de flores silvestres nativas, diversidade de polinizadores, qualidade da água e manutenção de práticas de pastoreio sustentáveis. Esse modelo — codesenhado com base em escutas, mapeamentos participativos e validação mútua entre técnicos, cientistas e comunidades — levou à recuperação significativa da biodiversidade local, restaurou ciclos ecológicos, fortaleceu a economia rural baseada em práticas agrícolas sustentáveis de base agroecológica e em formas de turismo regenerativo, articuladas à conservação ativa da paisagem e da cultura local.
O BurrenLIFE demonstra que não há dicotomia entre conservação e produção, desde que os sistemas de conhecimento local sejam reconhecidos como legítimos e os agricultores deixem de ser tratados como “obstáculos” e passem a ser agentes ativos da regeneração. Trata-se de um exemplo concreto de como o pluralismo de saberes, quando incorporado desde o desenho das políticas, não apenas respeita os territórios, mas melhora objetivamente a qualidade ambiental e a biodiversidade local.
Conclusão
A crise ambiental é também uma crise de sentidos, de
modelos de desenvolvimento e de representações da natureza. Superá-la exige
mais do que soluções técnicas: exige imaginação política, justiça social e
ecologias múltiplas. As Ciências Sociais, em diálogo com as Ciências Naturais,
têm um papel decisivo na construção de um novo pacto socioecológico, que
respeite a diversidade dos modos de vida e enfrente as raízes estruturais das
desigualdades ambientais.
📘 Leitura
recomendada:
Referências
ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100010. Acesso em: 14 jun. 2025.
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OSTROM, E. A polycentric approach for coping with climate change. World Bank Policy Research Working Paper, n. 5095, 2009. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/480171468315567893/pdf/WPS5095.pdf. Acesso em: 15 jun. 2025.
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TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia e Desenvolvimento Vegetal. 6. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017.
📚 Leitura complementar:
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